O ELEMENTO SUBJETIVO E A LAVAGEM DE DINHEIRO
- Lucas Marçal Ternus
- 18 de set. de 2023
- 5 min de leitura
O tipo penal previsto no art. 1, caput, da Lei n. 9.613/98 é formado por dois elementos, objetivo (conduta) e subjetivo (animus), sendo o primeiro a ação desenvolvida pelo agente - proibida pela norma - e o segundo composto pela vontade do indivíduo de praticar a conduta. Sendo assim, por se tratar de elementos inerentes à norma incriminadora, é necessária a presença de ambos, para que assim surja a responsabilidade penal por eventual conduta perpetrada pelo agente.[1] Logo, “o comportamento típico é aquele adequado à descrição normativa, composto de elementos objetivos e subjetivos (dolo ou culpa).” [2]
Ao analisar o tipo penal previsto no art. 1°, caput, da Lei n. 9.613/98, ao menos no aspecto objetivo, o agente que pratica a ocultação ou a dissimulação de bens ou valores, estaria cometendo o delito previsto no caput do artigo supra. Ocorre que o direito penal pátrio rejeita a responsabilidade penal objetiva[3], devendo ser demonstrada a vontade do agente em perpetrar o delito.
No que tange ao elemento subjetivo, com o desenvolvimento da teoria finalista, para que o agente pratique uma infração penal e possa ser punido, este deve agir com um objetivo, ou seja, com a vontade/conhecimento de ferir um bem jurídico tutelado. Majoritariamente o dolo (Vorsatz) é formado por dois elementos essenciais: o primeiro, é o intelectual, formado pelo conhecimento da conduta; já o segundo, é o volitivo, o ato decisório em favor de lesionar um determinado bem jurídico[4]. Sendo assim, “[...] o dolo pressupõe conhecer e querer os elementos objetivamente descritos em um tipo penal. [...]”.[5] Assim, toda a conduta típica tem uma finalidade, ainda que o legislador não tenha colocado de forma expressa no texto legal.
Partindo deste pressuposto, o dolo, no delito de lavagem de dinheiro, afasta a responsabilização penal objetiva, garantindo a imputação subjetiva, ou seja, somente será responsabilizado pela prática do crime de lavagem aquele que teve a intenção consciente de ocultar ou dissimular os valores obtidos, direta ou indiretamente, de infração penal antecedente.
A necessidade de demonstração da vontade do agente, na prática do delito de lavagem de dinheiro, não é exclusiva do Brasil, sendo requisito obrigatório para tipicidade da conduta, no direito penal espanhol (por exemplo).[6]
Observa-se que “a norma penal [de lavagem de dinheiro] é norma de determinação, e somente pode ser cumprida ou descumprida por seus destinatários, pessoas capazes de compreender o seu conteúdo e se comportar de acordo com seus preceitos.”[7] Nesse sentido, em que pese o agente tenha praticado um dos verbos do tipo penal, este não poderá ser punido pela prática delitiva, caso não seja comprovada a intenção maliciosa de praticar as condutas, elencadas na norma.[8]
Ademais, mesmo que o delito de lavagem de dinheiro esteja consumado desde a primeira fase (ocultação), ainda é necessária a observância do elemento subjetivo - presente em todas as etapas do processo de lavagem -, sendo a vontade de tornar aparentemente lícito os bens e valores oriundos da infração penal antecedente, com a reinserção destes, na economia formal. Sendo assim, mesmo que no aspecto objetivo baste a mera ocultação dos valores para a caracterização do ilícito, ainda deverá ser comprovado a intenção do agente, em completar o ciclo da lavagem.[9]
Nota-se que, mesmo antes da exclusão do rol de crimes antecedentes, já era necessária a comprovação do elemento subjetivo, conforme se observa na obra de Roberto Podval, publicada em 2011:
O tipo subjetivo da lavagem não se perfaz com a simples ocultação do produto do ilícito. Necessária também a intenção do agente em dar uma aparência idônea. Isto é, a simples ocultação do produto de crime não tipifica a lavagem, ainda que seja produto de um dos crimes descritos na lei (terrorismo, tráfico de entorpecentes, etc); é preciso ainda que o agente tenha a intenção de recolocar no mercado o produto do crime, dando-lhe aparência lícita. [10]
Sendo assim, ainda que provada a prática delitiva, a ausência de intenção do agente torna a conduta atípica, eis que faz parte do tipo penal o elemento subjetivo (dolo).
Por conseguinte, a simples ocultação dos bens oriundos da infração penal antecedente, por si só, não é suficiente para tipificação do delito de lavagem de capitais. Ou seja, além do mascaramento dos bens, ainda é necessária a demonstração do elemento subjetivo presente em todas as fases da lavagem e inerente ao tipo penal, a vontade de lavar o capital ilícito com o intuito de reinseri-lo no sistema financeiro com aparência lícita.[11] Sendo assim, o agente deve ter ciência de que o ativo tem origem ilícita, isto é, o “delito de lavagem de dinheiro é de tipo subjetivo exclusivamente doloso, restando afastada qualquer hipótese de punição por culpa.”.[12]
Posto isso, a consumação do delito previsto no art. 1, caput, da Lei n. 9.613/98, depende da existência do elemento subjetivo, ou seja, a vontade do agente dar aparência lícita a bens e valores de origem ilícita, ou, ao menos, de ocultar os bens ilícitos para encobrir o crime antecedente e frui-los posteriormente.
REFERÊNCIAS
BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo C. Lavagem de Dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à Lei 9.613/1998, com as alterações da Lei 12.683/2012. 4. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil.
BORGES, Ademar. Parecer: Inépcia da denúncia por lavagem de dinheiro em razão da atipicidade das infrações penais antecedentes. In: BOTTINI, Pierpaolo C.; BORGES, Ademar (coord.). Lavagem de dinheiro: pareceres jurídicos, jurisprudência selecionada e comentada. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021
BRASILEIRO, Renato. Legislação Criminal Especial Comentada, volume único. 8. ed. São Paulo: JusPodivm, 2020.
CALLEGARI, André Luís; WEBER, Ariel. Lavagem de Dinheiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2017.
OLIVÉ, Juan Carlos F.; BRITO, Alexis Couto D. Direito penal brasileiro: parte geral: princípios fundamentais e sistema, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
PODVAL, Roberto. O bem jurídico do delito de lavagem de dinheiro. In: PRADO, Luiz Regis (coord.); DOTTI, René Ariel (coord.). Direito penal da administração pública: direito penal econômico e da empresa, vol. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
REALE JR., Miguel. Fundamentos de Direito Penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, 2019.
Tese (Doutorado em Direito) – Departamento de Derecho Penal, Universidad Complutense de Madrid, 2017. Disponível em: https://eprints.ucm.es/id/eprint/41080/1/T38338.pdf.
[1] BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo C. Lavagem de Dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à Lei 9.613/1998, com as alterações da Lei 12.683/2012. 4. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p.129-132. [2] BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo C. Lavagem de Dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à Lei 9.613/1998, com as alterações da Lei 12.683/2012. 4. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p.98. [3] REALE JR., Miguel. Fundamentos de Direito Penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 28. [4] OLIVÉ, Juan Carlos F.; BRITO, Alexis Couto D. Direito penal brasileiro: parte geral: princípios fundamentais e sistema, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 316. [5] OLIVÉ, Juan Carlos F.; BRITO, Alexis Couto D. Direito penal brasileiro: parte geral: princípios fundamentais e sistema. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 316. [6] Tese (Doutorado em Direito) – Departamento de Derecho Penal, Universidad Complutense de Madrid, 2017, p. 516. Disponível em: https://eprints.ucm.es/id/eprint/41080/1/T38338.pdf. [7] BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo C. Lavagem de Dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à Lei 9.613/1998, com as alterações da Lei 12.683/2012. 4. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 98. [8] BORGES, Ademar. Parecer: Inépcia da denúncia por lavagem de dinheiro em razão da atipicidade das infrações penais antecedentes. In: BOTTINI, Pierpaolo C.; BORGES, Ademar (coord.). Lavagem de dinheiro: pareceres jurídicos, jurisprudência selecionada e comentada. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 167. [9] BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo C. Lavagem de Dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à Lei 9.613/1998, com as alterações da Lei 12.683/2012. 4. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 29. [10] PODVAL, Roberto. O bem jurídico do delito de lavagem de dinheiro. In: PRADO, Luiz Regis (coord.); DOTTI, René Ariel (coord.). Direito penal da administração pública: direito penal econômico e da empresa, vol. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, n.p. [11] BRASILEIRO, Renato. Legislação Criminal Especial Comentada, volume único. 8. ed. São Paulo: JusPodivm, 2020, p.665. [12] CALLEGARI, André Luís; WEBER, Ariel. Lavagem de Dinheiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 12.

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